22 de maio de 2010

Truco!

Nasci faz tempo. Tempo suficiente pra, quando com a minha idade atual, minha mãe já me tinha como algo mais que um feto. Nasci de oito meses, e nem por isso meus indicativos me denotam como uma pessoa acelerada, adiantada. Ao contrário. Me demoro a despertar, a me banhar, a caminhar, e sou capaz de te enrolar e te fazer seguir meu ritmo sem você sequer notar. Nada de prepotência nisso, sou lerda e ponto. E pra estar comigo você normalmente vai seguir a passos diminutos, porque eu de fato não me incomodo em ficar atrás. Aliás, quando eu era mais nova, meu pai me ensinou (provavelmente pensando no que eu seria quando fosse capaz de dirigir) que em uma corrida de fórmula 1, o último colocado chega apenas alguns segundos depois do primeiro. Concluí, no decorrer do meu aprendizado, que minha vida vale mais que alguns segundos. Até porque o que me encanta mesmo, demora exatos muitos segundos: música, poesia, filosofia de bar, conseqüências. Portanto, vá você com sua pressa, não tenha dúvida de que eu estarei confortável com minhas escalas e letras, as quais sempre permitem a demora. Gosto de beijo, beijo mesmo. E esqueço às vezes que as pessoas vêem nele um pretexto pra um "algo mais". Não. Só gosto de beijo. Odeio telefone. Despenderá considerável esforço para falar comigo por esse meio. Não vou atender. Não vou me preocupar. Raramente vou retornar. Bendita seja a pós-modernidade, a qual me permitiu contraditoriamente ter 2 celulares, informar os 2 números às pessoas. A minha desculpa ficava sempre no outro número. Já me desfiz de um deles, maldito cartesianismo. Por culpa dele, tenho que ler teoria, aplicar teoria, deglutir teoria pra provar ao final o quão inválida ela é. Ponto. Parágrafo. Margens. Times new. Justificado. Me entende agora? Tenho um quarto, em um apartamento que não é meu. Uma moto, que de tantas parcelas, não é minha. Uns poemas, que Bakhthinizada, nem são meus. Porra, Mané! Mané era um brother dos meus pais, dono da mercearia na esquina de minha casa de 1991, cujo histórico nunca soube o que era vender fiado até me conhecer. “Mané, uma Coca”. Mané me abraçava. Mané gostava de mim. Cássia (tia entre parênteses) gostava de mim. Pedro carrinheiro gostava de mim. O Zé do Entulho não gostava de mim. E provavelmente meu irmão e meus amiguinhos não gostavam de mim, me deixando sozinha à frente dele, me justificando pela porta de metal que nem dele havia sido roubada. E ele dizia conhecer seus próprios entulhos. Disse na minha cara de dez anos. Desde então não caio em blefes. Não, não jogo truco. 

2 comentários:

  1. Antes pairar sobre o tempo, com o perdão da pretensão deística, do que escorrer pela artificialidade que o dia-a-dia oferece. Sábia a filosofia do teu pai, Darinha.

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  2. Passou o tempo enquanto eu lia. Nem percebi. Amém.

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